quarta-feira, 29 de julho de 2009

A África Esquartejada

Vou continuar o blog postando um texto muito interessante do professor Marcio Masatoshi ao Folha de São Paulo [aqui]. Esse texto contribui pra discussão do papel da África no mundo globalizado.



"Quando olhamos para o mapa-múndi, notamos que o continente africano ocupa uma posição singular: atravessado pelo meridiano de Greenwich e pela linha do Equador, surge como o centro do mundo. Aparente berço da humanidade, a África, tal qual uma mãe, tem de purgar silenciosamente todos os desmandos do "Homo superior".

Fornecedora da mão-de-obra que enriqueceu a Europa, paradoxalmente foi esquartejada na Conferência de Berlim (1884-85): constituiu-se em 53 países separados por fronteiras artificiais, com incontáveis grupos etno-culturais que tiveram sua coexistência, nem sempre pacífica, e seus modos de vida destruídos em nome do progresso.

Não bastasse o quadro natural adverso (1/3 de áreas desérticas e em expansão e florestas impenetráveis), a África é vítima do seu passado: possui o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e o maior IPH (Índice de Pobreza Humana) do mundo, ou seja, o menor PIB per capita, a menor taxa de urbanização, as maiores taxas de analfabetismo, de subnutrição, de natalidade, de mortalidade, de mortalidade infantil e de crescimento demográfico).

Além disso, convive com as doenças e a fome (na Somália, na Etiópia e no Sudão) e as guerras civis em Angola, Serra Leoa, Burundi, Ruanda e na República Democrática do Congo (ex-Zaire) e de fronteira (Chifre da África).

Sua economia, primário-exportadora, assegura o desenvolvimento, ainda que reduzido, de poucos países (Líbia, Egito, Marrocos, Tunísia, Zimbábue e África do Sul).

A maioria das nações vive da economia de subsistência, da plantation, quando não adoece ou passa fome.

Por ter mercado consumidor escasso, a África não pode participar do mundo globalizado, para o qual, não passa do lar de Tarzan e merece ser castigada, pois ousou sonhar com a liberdade após a "civilizada" 2ª Guerra Mundial. Seu lugar é apenas nos mapas.

Não bastasse isso, há duas décadas, a África da fome, das guerras e dos refugiados morre lentamente, vítima da AIDS. Mais de 23 milhões de casos numa população de 760 milhões de pessoas.

Nos 16 países em que mais de 10% da população está infectada (36% em Botsuana, 25% no Zimbábue e na Suazilândia, 20% na África do Sul e em Zâmbia), o HIV matará cerca de 80% dos adultos.

A malthusiana omissão mundial é tão inquietante quanto a cínica "solidariedaids". A sensação de que a humanidade é matricida é desoladora. Ainda mais quando os jogadores de futebol de Camarões nos dão um exemplo da infinita alegria que é o ato de viver."

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Movimento Pró-Democracia

Bem-vindos, caros leitores, ao Aglio e Óleo.

É de extrema satisfação poder ler finalmente o primeiro post do blog, o qual eu já havia projetado a tanto tempo. Não aguentava mais limitar as minhas modestas análises sobre o que acontece por aí às rodinhas de discussões universitárias. Não é que eu não goste delas – de fato, eu as adoro – mas há em mim uma sensação de improdutividade, que talvez eu consiga amenizar com a fundação do blog. É como se comigo houvesse alguma matéria prima, mas nunca estímulo para transformá-la em produto. Seria muita pretensão afirmar que tal produto esbanjaria qualidade, principalmente se tratando de um produto jornalístico, o qual o blog se propõe – embora com o caráter de opinião - e que eu não tenho competência acadêmica de executá-lo. Mas mesmo assim, arriscarei.

Para inaugurar o blog, voltarei um assunto já em baixa, que pode até soar um pouco ultrapassado. Não que o caso a seguir seja importantíssimo para a compreensão da sociedade, muito menos que os assuntos atuais não sejam merecedores de um post, mas é que esse caso tem uma especial importância dentro do contexto onde eu, Guilherme Aglio, estudante de Produção Cultural da UFF, estou inserido. Depois de algumas discussões in-campus sobre as eleições municipais do Rio, resolvi dissertar um pouquinho sobre o famigerado Movimento Pró-Democracia, que foi organizado através do Orkut e juntou cerca de 13 mil pessoas na internet, das quais três mil participaram das manifestações nas ruas.

A proposta inicial do movimento é “a aceleração do julgamento dos crimes eleitorais ocorridos” durante as eleições municipais cariocas. Oficialmente, o movimento aponta diversos crimes eleitorais, TODOS eles evolvendo o candidato vencedor Eduardo Paes (PMDB-RJ). Além de boca de urna, caixa 2 e uso da máquina pública, o MPD alega que falecidos tiveram votos computados, enquanto eleitores foram impedidos de votar. As denúncias estão no vídeo divulgado pelo movimento que você pode ver [aqui].

Tudo lindo e maravilhoso, o movimento arrastou uma galera – a grande maioria constituída de jovens (de classe média, importante citar) – da Cinelândia até o TRE, quase todos vestidos de preto com os rostos pintados em verde e amarelo, representando a morte da democracia no Brasil. Um show de organização, mobilização e divulgação. Baseado neles, inclusive, que passou pela minha cabeça conduzir o Movimento Contra a Propaganda Enganosa, mas faltou a disposição necessária com o Orkut e capacidade da Veja e da Globo em criar falsos mártires para o meu movimento. A primeira denúncia que o movimento faria seria justamente contra Movimento Pró-Democrático, que de democrático, meus amigos, nada tem.

Obviamente, se o movimento se tratasse de uma reação popular às irregularidades das eleições, tudo bem, nada contra, porém foi claramente um movimento de reação a não eleição de Fernando Gabeira (PV-RJ). A princípio, eu queria reiterar que o movimento foi conduzido justamente após uma eleição, em que o candidato dos que estavam ali protestando não foi eleito. Já começa a me parecer ofuscado a noção de democracia do MPD. Além do mais, esse candidato perdeu nas urnas, como se estivéssemos em uma sociedade democrática. Mas tudo bem, os organizadores afirmavam que, a princípio, não queriam a anulação das eleições, embora eu desconfie que esse “princípio” nunca existiu.

Roda inclusive, um vídeo na internet também divulgado pelo próprio movimento, que você pode ver [aqui], intitulado Movimento Pró-Democracia - Argumentos. O vídeo, como todos vocês leitores podem ter o privilégio de comprovar, ao invés de denunciar as práticas que, na ocasião das eleições do Rio, caminharam contra a democracia, se preocupou em fazer um ataque político somente a Eduardo Paes, demonstrando manobras de alianças, como quando Sérgio Cabral (PMDB-RJ) faz um discurso contra o presidente Lula e depois pede apoio para a candidatura de Eduardo Paes, como se isso significasse a falta da democracia. Aliança essa inclusive que dá asco a qualquer um e, até onde eu sei, mudar de idéia nunca foi anti-democrático. Esse namoro dos dois partidos rendeu até uma declaração de defesa de Lula para o indefensável Sarney, o que arrepia de verdade, mas não é por isso que vou deixar de votar na Dilma em 2010, até porque não acho que a oposição seja mais pura e imaculada. Além do mais, o vídeo nem sequer cita que o ex-candidato do PV é também um vira-casaca de carteirinha, já inclusive se elegendo pelo PT - configurando-se muito mais que uma simples manobra de aliança.

Claro que esse partidarismo travestido de Movimento Pró-Democrático se auto intitula "apartidário", mas alguém por aí acredita que se Fernando Gabeira tivesse ganhado as eleições, com ou sem irregularidade, haveria movimento? Aqui não. Esse é o segundo nome que o Movimento Contra a Propaganda Enganosa denunciaria: o de Fernando Gabeira, que recebeu o prêmio do O Globo "Faz a Diferença" e foi capa da revista Veja como o "Exemplo de Ética", principalmente por nunca ter aceitado indenização por conta da ditadura, embora a tenha usado no pedido de aposentadoria à comissão de anistia. Por que então o MPD também não protestou contra a utilização da cota de passagens aéreas que a Câmara fornece para enviar a filha Tami numa antidemocrática viagem aos Estados Unidos? Obviamente Gabeira teve que admitir e devolver os 6,5 mil reais à Câmara, mas nem houve protesto pró-democrático, infelizmente. De acordo com artigo de Maurício Dias publicado pela Carta Capital na edição de 27 de abril de 2008, e reiterado por Cynara Menezes na edição de 1º de junho de 2009, na declaração de gastos da campanha de 2006, o deputado do PV contratou ilegalmente a empresa de eventos pertencente a sua mulher no valor de 117 mil reais, nos quais apenas 5 mil eram pra produção de eventos, 55 mil para a "criação e inclusão de páginas na internet" e 52 mil para "diversas a especificar". Em nota, Dias afirma [aqui]: "A empresa de Neila não é do ramo da criação de sites e não se sabe igualmente do talento da atriz para esse negócio". A parte do “diversas a especificar” eu deixo para a imaginação dos leitores.

Tais acusações nunca nem sequer foram comentadas nos fóruns do Movimento Pró-Democrático, que você pode checar clicando [aqui].

E quase ia me esquecendo... ainda bem que ainda não li nada oficial do movimento sobre o suposto feriado antecipado, que alguns afirmam ter prejudicado as eleições. Anti-democrático nisso, apenas os "idiotinhas" que preferiram pegar uma "prainha" ao invés de exercer a democracia (como disse, em raro momento de lucidez, Arnaldo Jabour em declaração a CBN, que você pode ouvir [aqui]).

Democrático?